
Se você é médico, gestor de clínica ou responsável por um serviço de saúde, provavelmente já ouviu falar em vazamento de dados. Mas, talvez não saiba que, mesmo uma simples mensagem enviada por WhatsApp com o resultado de um exame, ou um e-mail sem criptografia contendo o nome de um paciente, pode configurar violação grave da LGPD — e gerar multas, processos civis, punições no CRM e até responsabilização penal.
O que torna esse risco ainda mais delicado é o tipo de dado envolvido. Não estamos falando apenas de nome e CPF. São dados sensíveis: diagnósticos de HIV, câncer, depressão, ansiedade, histórico de abortos, uso de medicação psiquiátrica, resultados de exames genéticos, descoberta de gestação, sexo do bebê em ultrassonografias, procedimentos de reprodução assistida — tudo isso é protegido por lei, e sua exposição, mesmo que acidental, pode causar danos irreversíveis à honra e à vida do paciente.
O QUE DIZ A LEI — E POR QUE ISSO IMPORTA NA PRÁTICA
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018) estabelece regras rígidas para o tratamento de dados pessoais, especialmente os dados sensíveis, definidos no artigo 5º, inciso II, como:
“II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;”
Ou seja: praticamente toda a informação gerada em um atendimento médico é um dado sensível.
A LGPD impõe ao controlador — no caso, o médico titular da clínica ou o hospital — a responsabilidade por todo o ciclo de tratamento dos dados: coleta, armazenamento, uso e descarte. Isso inclui até mesmo dados enviados por terceiros, como laboratórios, parceiros ou sistemas de telemedicina.
E atenção: a responsabilidade é objetiva. Ou seja, não é preciso provar negligência ou má-fé. Basta comprovar o vazamento para que a clínica ou o profissional seja responsabilizado.
ONDE MAIS ACONTECEM OS VAZAMENTOS (E VOCÊ NÃO PERCEBE)
Muitos vazamentos ocorrem em situações rotineiras, sem má intenção — mas com graves consequências:
WhatsApp pessoal usado para enviar laudos, exames ou fotos de prontuários — mesmo em grupos “fechados” com a equipe;
E-mails sem criptografia contendo nomes de pacientes e diagnósticos — que podem ser interceptados ou encaminhados por engano;
Prontuários em papel deixados sobre mesas ou em salas de espera, visualizados por outras pessoas;
Backups em nuvem sem senha ou com acesso compartilhado (Google Drive, Dropbox, etc.);
Equipamentos descartados sem limpeza segura — como computadores, celulares ou HDs com dados de pacientes.
Um único print mal direcionado — por exemplo, um ultrassom com o nome da paciente e a indicação de “sexo: feminino” — pode viralizar em grupos de WhatsApp e gerar constrangimento, discriminação ou até perda de emprego.
QUEM RESPONDE? O MÉDICO, O FUNCIONÁRIO OU A CLÍNICA?
Aqui está o ponto crucial: a clínica ou o médico responsável responde solidariamente, mesmo que o vazamento tenha sido causado por um funcionário.
O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que, em relações de consumo (e o atendimento médico é uma delas), a responsabilidade pelo vazamento é objetiva e solidária — ou seja, o paciente pode acionar tanto o profissional quanto a instituição.
Além disso:
- O CRM pode abrir processo ético por violação do sigilo profissional (Art. 73 do Código de Ética Médica);
- A ANPD pode aplicar multas de até R$ 50 milhões ou 2% do faturamento da empresa;
- Em casos graves, como divulgação de diagnóstico de HIV ou câncer, há risco de ação civil por danos morais, com indenizações que superam R$ 100 mil;
Se houver lucro com a venda dos dados (ex: clínica que vende informações de pessoas públicas para meios de comunicação), pode haver a responsabilização penal por violação de segredo (Art. 154 do Código Penal).
O Que Fazer Para Se Proteger — Antes Que Ocorra o Pior
A boa notícia é que o vazamento é evitável — mas exige medidas concretas, não apenas boas intenções.
1. Pare de usar WhatsApp e e-mail pessoal para comunicação clínica
Substitua por plataformas certificadas, com criptografia de ponta a ponta e política de retenção de dados compatível com a LGPD. Isso não é luxo — é exigência legal.
2. Documente o consentimento do paciente para o tratamento de dados.
- O simples termo “autorizo o uso dos meus dados” não basta. É preciso informar:
- Quais dados serão coletados;
- Para que serão usados;
- Quem terá acesso;
- Por quanto tempo serão armazenados;
- Como o paciente pode revogar o consentimento.
3. Treine sua equipe — e exija assinatura de termo de confidencialidade
Um recepcionista que comenta informações de pacientes com outros funcionários ou conhecidos pode gerar uma ação por danos morais. Um técnico que envia um exame errado para o WhatsApp do paciente pode gerar multa da ANPD. O treinamento deve ser contínuo e documentado.
4. Tenha um plano de resposta a incidentes
Se houver vazamento, o controlador tem até 72 horas para notificar a ANPD e os titulares dos dados. Um advogado especializado pode estruturar esse plano e evitar que um erro isolado se transforme em crise institucional.
5. Contrate um advogado especializado em direito médico e LGPD
Não espere o primeiro boletim de ocorrência ou a notificação da ANPD. Um profissional com experiência em saúde pode auditar sua clínica, revisar contratos com parceiros, estruturar sua política de privacidade e representá-lo caso algo dê errado.
CONCLUSÃO: SUA ÉTICA PROFISSIONAL MERECE PROTEÇÃO JURÍDICA
Você escolheu a medicina para cuidar — não para expor. Mas num mundo digital, não basta ter boa-fé. É preciso ter segurança.
O sigilo médico não terminou com o papel-carbono. Ele evoluiu — e exige novas formas de proteção. E essa proteção não é só técnica. É jurídica.
Se você quer continuar atendendo com tranquilidade, sem medo de que um print, um e-mail ou um backup malfeito ponha tudo a perder, não espere o primeiro vazamento para agir.
D. Ribeiro é Advogado Criminal na Capital – SP – Brasil, e possui também um canal no Youtube chamado Notícias do Ribeiro, para falar direto comigo basta clicar aqui 👉 https://wa.me/5511985272009
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