Se você é médico, provavelmente já passou por situações em que o relacionamento com o paciente se deteriorou a ponto de dificultar ou até inviabilizar a continuidade do tratamento. Pode ser por falta de confiança, cobranças excessivas, agressividade, recusa reiterada de seguir orientações ou até conflitos familiares que envolvem a conduta clínica.
Nessas situações, muitos profissionais hesitam em tomar uma decisão: posso simplesmente encerrar o atendimento?
A resposta é sim. O médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que o faça com responsabilidade, transparência e respeito ao paciente — e, principalmente, dentro dos limites éticos e legais. Mas esse direito, embora legítimo, é frequentemente mal compreendido — tanto por colegas quanto por pacientes — e, se exercido de forma equivocada, pode gerar processos administrativos no CRM, ações civis por danos morais e até acusações de abandono de paciente.
POR QUE UM MÉDICO PODE (E DEVE) RENUNCIAR AO ATENDIMENTO?
O Código de Ética Médica, em seu artigo 36, §1º, é claro:
“§ 1° Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que o suceder.”
Ou seja, renunciar não é um capricho. É um direito de defesa da própria integridade profissional e técnica, especialmente quando:
Há conflito grave que compromete a objetividade do diagnóstico e do tratamento;
O paciente rejeita sistematicamente as condutas propostas, colocando em risco sua própria saúde;
Há agressão verbal ou ameaça à segurança do profissional ou da equipe;
O ambiente familiar ou social do paciente interfere de forma constante e negativa na evolução clínica.
O que o Judiciário tem reconhecido — e reafirmado em diversas decisões — é que o médico não é obrigado a manter um vínculo terapêutico em condições que minem sua autonomia, sua dignidade ou sua capacidade técnica de agir.
A jurisprudência é uníssona ao afirmar que, desde que a renúncia seja comunicada de forma clara e não abrupta, e que sejam tomadas providências para a continuidade do cuidado, não há ilicitude.
O QUE FAZER E O QUE EVITAR NA HORA DA RENÚNCIA
O risco não está em renunciar. Está em como você faz isso.
Muitos médicos cometem erros básicos: param de atender sem aviso prévio, não registram a comunicação, não indicam outro profissional ou simplesmente “somem” após um desentendimento.
Isso abre espaço para alegações de abandono de paciente — um dos fundamentos mais comuns em processos por erro médico.
Para agir com segurança, siga estes passos:
1. Documente o motivo da renúncia
Registre no prontuário clínico os episódios que justificam sua decisão: recusas reiteradas, hostilidade, descumprimento de orientações, entre outros. Isso não é “fazer ficha” — é proteger sua conduta.
2. Comunique por escrito
Envie uma carta (ou e-mail com confirmação de recebimento) ao paciente, de forma clara, objetiva e sem julgamentos pessoais. Exemplo:
“Prezado(a) Sr(a). [nome], venho, por meio desta, comunicar que, após avaliação cuidadosa, decidi não continuar como seu médico assistente, em razão da dificuldade de manter um vínculo terapêutico adequado. Recomendo que, para garantia da continuidade do seu tratamento, procure outro profissional da especialidade. Estou à disposição para repassar seu histórico clínico ao novo médico, mediante autorização por escrito.”
3. Assegure a continuidade do cuidado
Mesmo que o paciente esteja em tratamento crônico, você não precisa esperar o “melhor momento” para encerrar o atendimento — mas deve garantir que não haja risco iminente de agravo à saúde no curto prazo.
Se o caso for complexo, sugira nomes de colegas ou instituições de referência.
4. Guarde cópia de toda a comunicação
Em caso de futura investigação no CRM ou ação judicial, esse registro será sua principal prova de que agiu com ética e responsabilidade.
QUANDO A RENÚNCIA PODE VIRAR PROBLEMA?
A jurisprudência mostra que, mesmo com o direito assegurado, o médico pode ser responsabilizado se:
A renúncia ocorrer em situação de urgência ou emergência, sem garantir substituição imediata (ex: internado instável, paciente em crise psiquiátrica aguda);
Houver discriminação evidente (por orientação sexual, religião, condição social, etc.);
A forma da comunicação for humilhante, agressiva ou vexatória — já que o direito de renunciar não autoriza violar o direito à dignidade do paciente.
Mas atenção: discordância técnica, insatisfação com o tempo de espera ou cobrança por resultados irreais não configuram abuso por parte do médico — desde que a conduta seja pautada na ciência e na ética.
CONCLUSÃO: AUTONOMIA NÃO É ARROGÂNCIA — É RESPONSABILIDADE
Ser médico exige empatia, mas também exige limites. O direito de renunciar ao atendimento não é uma fuga — é um ato de responsabilidade profissional, que protege tanto o paciente quanto o próprio médico.
Você não precisa suportar situações que minam sua saúde mental, sua autoridade técnica ou sua credibilidade apenas por medo de represálias. O ordenamento jurídico e ético está ao seu lado — desde que você saiba como exercer esse direito da maneira correta.
Caso sinta a necessidade, procure sempre um advogado especializado em direito médico para orientá-lo na elaboração de comunicações seguras, na análise de prontuários e na defesa de sua conduta diante do CRM ou do Judiciário — com técnica, experiência e respeito à ética médica.
D. Ribeiro é Advogado Criminal na Capital – SP – Brasil, e possui também um canal no Youtube chamado Notícias do Ribeiro
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